Objetivos
Discussão sobre as relações entre a série de Fourier e a transformada de Fourier.
A análise de Fourier
O objetivo central da análise harmônica é estudar as representações de funções por harmônicas e suas propriedades. Harmônicas são as funções trigonométricas seno e cosseno. A análise harmônica apresenta, de fato, um contexto mais amplo, porém vamos considerar apenas esse aspecto aqui, que consiste essencialmente em estudar as representações via série de Fourier e transformada de Fourier, usualmente referido como análise de Fourier.
Alguns pontos básicos:
- Funções periódicas são representadas através de séries de Fourier
- Funções não-periódicas são representadas através de transformadas de Fourier
- Uma representação de f(x) é uma decomposição em componentes que também são funções
- As componentes dessa decomposição são as funções trigonométricas sin(x) e cos(x)
- As funções sin(x) e cos(x) podem ser apresentadas como
(ver post anterior)
.
Funções periódicas
Seja f(x) uma função periódica, de período T, isto é: f(x) = f(x + nT) , n inteiro. Uma função como essa pode ser representada por uma superposição de componentes harmônicas cujos períodos “caibam” em T, isto é, que sejam divisores inteiros de T. Este requisito é necessário, para que a superposição tenha a mesma periodicidade que f(x), o que não aconteceria se alguma componente tivesse um período que não “coubesse” em T.
Em geral é mais simples raciocinar em termos de frequências em vez de períodos. Denomina-se frequência fundamental da função periódica f(x) ao inverso de seu período. À frequência fundamental está associada uma frequência angular fundamental
. Temos:
Examinemos agora a síntese de funções periódicas através de componentes harmônicas. A síntese o ajudará a compreender melhor a análise, que será examinada mais adiante.
Síntese harmônica de funções periódicas
Entende-se por síntese harmônica a construção de uma função através da adição de componentes harmônicas. As regras que empregaremos para o processo de síntese são as seguintes:
- Escolha o valor da frequência fundamental …..
- Escolha as componentes que vai utilizar. Elas deverão ser do tipo:
….. e / ou …..
, com k inteiro.
- Some as componentes para cada valor de x, produzindo a f(x):
O índice inteiro k pode variar de zero a infinito. No caso da síntese, soma-se um número finito de componentes, portanto somente alguns valores de k entre 0 e irão aparecer. Também pode ser que nem todos os termos em seno ou cosseno apareçam. Isto é, pode ser que um dado
ou
seja nulo, para um dado valor de k. Quais componentes que irão aparecer depodenderá do aspecto da f(x) que se deseja sintetizar e qual a exatidão da síntese.
Exemplo de síntese
Vamos sintetizar como exemplo uma função para a qual não seja óbvia a escolha das componentes, porém que também não seja tão difícil que não nos permita estimá-los por tentativas. Na figura 1 apresentamos a função que tentaremos sintetizar usando componentes harmônicas. Ela é dada pela expressão:
Figura 1 – Função na forma de uma onda em dente-de-serra
O raciocínio que utilizaremos para estimar as componentes será o seguinte:
- Observando-se a figura 1, notamos que a função se repete com frequência
, sendo T = 10 (veja o gráfico).
- Isso sugere que adotaremos componentes periódicas de frequências múltplas inteiras de
, isto é
, k inteiro , isto é, frequências
.
- As componentes terão amplitudes
ou
.
- Note que a função f(x) além de ser periódica, é uma função ímpar, isto é, f(-x) = -f(x). Portanto, parece ser razoável que suas componentes sejam ímpares também, uma vez que a soma de funções ímpares produz uma função ímpar também (demonstre isso e também demonstre o caso se trocar ípar por par, nessa afirmação, lembrando que função par é aquela em que f(-x) = f(x)).
- Portanto a f(x) do exemplo deve ter apenas componentes em seno, pois o cosseno é par. Isto é, deveremos ter
.
Esse raciocínio poderia ser adaptado para outros exemplos de funções, naturalmente cuidando de alterar os detalhes convenientemente.
Nas figura 2a a 2h, apresentamos diversos exemplos de tentativa de síntese de uma função f(x) em forma de dente de serra. Em cada figura, à esquerda é apresentada o resultado da superposição das componentes harmônicas (em vermelho), contra a forma original da função, apresentada na fig 1(em linha azul pontilhada). Os gráficos à direita apresentam o erro de aproximação (ponto a ponto, isto é, para cada valor de x) entre as duas funções da esquerda.
Nas figuras 2a e 2b testaremos as regras acima propostas. Em 2a, verificamos que o uso de uma única componente senoidal de frequência igual à de f(x), e também mesma amplitude que f(x), produz uma senóide com boa proximidade em relação a f(x). Portanto, nesse caso
isto é,
Note que estamos denotando a aproximação de f(x) por
Figura 2a – f(x) aproximada por
Em 2b consideramos adicionar uma componente cosseno de modo a entender seu efeito de função par sobre a síntese de uma aproximação da f(x) que é ímpar. Note que o efeito não é bom, pois deixa o erro assimétrico. A composição do seno e cosseno de mesma frequência produz uma função harmônica defasada (mostre isso), ou seja, nesse caso a f(x) seria escrita como :
sendo a defasagem dada em relação ao seno. Note que usamos
, de modo a partilhar a amplitude total de f(x), que é igual a 20, entre as duas componentes seno e cosseno, respctivamente.
Figura 2b – f(x) aproximada por
Abandonemos, então, as componentes em cosseno, fazendo todos seu coeficientes nulos, isto é, .
Testemos, então, o efeito de se colocar uma componente de frequência diferente de , mas que seja múltipla inteira de
. Por exemplo, adicionemos a componente de frequência
. Vamos escolher as amplitudes seguindo nosso critério original de fazer com que a soma da amplitudes totalize 20, que é a amplitude de f(x). Assim sendo, vamos experimentar com
, como mostrado na figura 2c.
Figura 2c – f(x) aproximada por .
Nota-se na fig.2 nitidamente a melhora da aproximação feita com dois termos, se comparada à aproximação com um termo apenas. O erro fica melhor distribuído, diminuindo em média quadrática (o erro em valor absoluto é muito pequeno tanto com 1 quanto com 2 componentes).
Testemos agora o efeito das amplitudes. Vamos redistribuir as amplitudes das duas componentes, porém ainda usando o critério de manter a soma total igual à amplitude de f(x) , igual a 20. Na fig. 2d utilizamos os valores .
Figura 2d – f(x) aproximada por .
O resultado melhorou em relação ao anterior. Tentemos nova redistribuição, usando agora os valores , ainda mantendo a soma igual a 20. O resultado é mostrado na figura 2e.
Figura 2e – f(x) aproximada por .
Agora, o erro parece ter se distribuído melhor ainda que no caso anterior. Tentemos então nova partilha entre coeficientes, usando os valores , conforme mostrado na figura 2f.
Figura 2f – f(x) aproximada por .
O erro agora baixou um pouco mais, mantendo-se ainda bem distribuído. Tentemos agora inserir mais uma componente, repartindo parte da amplitude da primeira harmônica com a nova componente, de frequência . Repartiremos o valor original
fazendo o novo
e
, mantendo
, conforme mostrado na figura 2g.
Figura 2g – f(x) aproximada por .
O efeito de introdução de mais uma componente repartindo convenientemente as amplitudes, diminuiu mais ainda o erro. Tentemos inserir mais uma componente ainda, repartindo mais um pouco da amplitude da maior componente e mantendo as demais, fazendo agora , com
, conforme mostrado na figura 2h.
Figura 2h – f(x) aproximada por .
A distribuição do erro melhorou mais ainda, se comparado à tentativa anterior. Porém, torna-se cada vez menor a melhora obtida de um caso para o seguinte. Nosso critério de tentativas está se esgotando e precisamos de um critério melhor. Antes de discutir o novo critério, vamos testar mais um fato mencionado anteriormente.
Testemos, agora, o efeito de se colocar uma componente de frequência diferente de , mas que não seja múltipla inteira de
. Isto está ilustrado na figura 2i. Utilizamos uma frequência 10% maior, ou seja
, e apenas uma componente, para evidenciar melhor o efeito. Note que agora o erro varia a cada período do dente-de-serra original, pois a reconstrução não tem a mesma periodicidade da função a ser sintetizada.
Figura 2i – f(x) aproximada por
Exemplo de síntese – resultado ótimo
Suponha que alguém lhe dissesse que uma boa aproximação da f(x) dente-de-serra fosse:
, … com …
…. tal que ….
e …
para k = 9 componentes harmônicas. Usando essa aproximação, obtém-se os resultados mostrados na figura 2j.
Figura 2j – f(x) aproximada por , tal como descrito no texto.
Agora o resultado obtido é incomparavelmente melhor que os anteriores. A questão é: como obter esses valores ótimos de coeficientes ?
Análise de Fourier de funções periódicas
O objetivo da análise de Fourier é obter essa representação ótima. No caso das funções periódicas, a análise de Fourier provê meios de se calcular os coeficientes e
, para uma dada função f(x).
O método para se fazer isso consiste em calcular as integrais abaixo. Mais adiante, iremos justificar esse método. Devemos calcular os coeficientes e
, para uma dada função f(x) da seguinte forma:
para k inteiro positivo. A rigor, os coeficientes são funções de k e , assim deveríamos escrevê-los como
e
.
Calculando-se essas integrais para a função dente-de-serra (veja sua definição acima – lembrar que o limite superior de integração equivale exatamente ao período da função), temos, para :
que são os valores ótimos mostrados anteriormente. Graficamente, temos, para (os
são todos nulos ):
Figura 3 – (a) componentes ; b) superposição das componentes
As componentes individuais sãomostradas na figura 3c abaixo. As amplitudes correspondem ao gráfico da figura 3b.
Figura 3 (continuação) – (c) componentes
5 comentários
Comments feed for this article
outubro 16, 2009 às 5:15 am
Wesley
Ótima análise.
E a Transformada, irá ter continuação?
outubro 18, 2009 às 2:03 am
Joao Kogler
Possivelmente, algum dia. Este blog serve para enviar complementos para meus alunos. Os posts aparecem à medida em que preciso dizer-lhes coisas que não puderam ser exploradas mais extensmente nas aulas. Não tenho pretensão de produzir um curso online. Todavia, tenho planos de escrever oportunamente alguma coisa sobre a transformada de Fourier, particularmente a bi-dimensional, a transformada discreta e também sobre as relações entre a T.F. e a transformada de Laplace.
abril 6, 2011 às 5:11 pm
carlino dias
eu gostaria que falasse mais sobre as funções não periódicas da sua definição, e representação grafica de funções racionais não periodicas.
setembro 9, 2011 às 12:50 am
Rafael Zaleski
Muito bom mesmo, obrigado!
novembro 13, 2012 às 6:11 pm
Herbert
Como vc gerou o espectro de frequências no Mathcad?
Obrigado